Cefalocordados
O que são os cefalocordados?
Os cefalocordados são um subfilo do filo Chordata, grupo de animais marinhos que apresentam as principais estruturas típicas dos cordados, como notocorda, tubo nervoso dorsal, fendas faringianas e cauda pós-anal. Diferentemente dos vertebrados, os cefalocordados não possuem coluna vertebral nem crânio, sendo, por isso, considerados cordados invertebrados.
São organismos de pequeno porte e corpo alongado, conhecidos popularmente como anfioxos ou lanceolados. Do ponto de vista evolutivo, ocupam uma posição importante, pois apresentam um plano corporal simples, mas com características que ajudam a compreender a origem e a organização dos vertebrados. Costumam viver parcialmente enterrados em sedimentos marinhos, filtrando partículas alimentares presentes na água.
Características físicas principais:
- Corpo alongado e fusiforme: o corpo dos cefalocordados é alongado, estreito e com as extremidades afiladas, lembrando uma pequena “lanceta”, o que justifica o nome popular lanceolado. Essa forma favorece o deslizamento na água e a permanência parcialmente enterrada na areia ou lama.
- Simetria bilateral: o corpo apresenta simetria bilateral, ou seja, pode ser dividido em duas metades espelhadas, direita e esquerda, característica típica dos cordados e de muitos outros grupos animais complexos.
- Presença de notocorda ao longo de todo o corpo: a notocorda é uma estrutura flexível, semelhante a uma haste, que se estende praticamente da região anterior até a região posterior do corpo. Nos cefalocordados, ela persiste durante toda a vida do animal, ajudando na sustentação e na movimentação, sem ser substituída por vértebras.
- Tubo nervoso dorsal: logo acima da notocorda encontra-se um tubo nervoso oco e dorsal, uma marca dos cordados. Embora seja simples, ele coordena respostas motoras e sensoriais e é o precursor, em termos evolutivos, do sistema nervoso central dos vertebrados.
- Fendas faringianas e faringe ampliada: a região da faringe é larga e atravessada por numerosas fendas faringianas. Essas aberturas participam da filtração da água e da captura de partículas alimentares microscópicas, tornando a faringe um órgão fundamental tanto para a alimentação quanto para a respiração.
- Endóstilo: na parede ventral da faringe encontra-se o endóstilo, estrutura glandular que secreta muco. Esse muco recobre as partículas alimentares retidas na faringe, formando cordões que depois são encaminhados ao tubo digestório. O endóstilo é importante também em estudos evolutivos por ser considerado homólogo à glândula tireoide dos vertebrados.
- Musculatura segmentada em miómeros: a musculatura do tronco é organizada em segmentos repetidos chamados miómeros, visíveis em forma de “V” ou “W” ao longo do corpo. Essa segmentação permite contrações coordenadas que resultam em movimentos ondulatórios, facilitando a natação e o deslocamento pelo sedimento.
- Ausência de crânio e vértebras: embora sejam cordados, os cefalocordados não possuem crânio, mandíbulas ou coluna vertebral. Os órgãos sensoriais e o tubo nervoso anterior não estão protegidos por uma caixa óssea, o que reforça seu caráter de cordados invertebrados.
- Nadadeiras simples: apresentam uma nadadeira dorsal contínua que percorre boa parte do corpo e se prolonga em uma nadadeira caudal. Também podem exibir uma prega ventral. Tais estruturas ajudam na estabilidade e no equilíbrio durante a natação.
- Corpo parcialmente transparente: muitas espécies possuem corpo sem grandes pigmentações, em parte transparente, o que facilita a observação das estruturas internas em estudos anatômicos e favorece seu uso como organismo modelo em pesquisas de biologia do desenvolvimento.
Alimentação
Os cefalocordados são animais filtradores. Eles se alimentam principalmente de fitoplâncton, pequenos organismos microscópicos e partículas orgânicas em suspensão na água do mar. O processo de alimentação começa com a entrada de água pela região anterior do corpo, onde há a boca circundada por cirros bucais, pequenas projeções que ajudam a filtrar partículas maiores e evitar a entrada de grãos de areia e sedimentos.
A água passa pela faringe, atravessando as fendas faringianas. O endóstilo secreta muco que recobre essas fendas. As partículas alimentares ficam presas nesse muco e formam cordões que são transportados em direção ao esôfago e, depois, ao intestino. A digestão é principalmente extracelular, ocorrendo no lúmen intestinal, seguida de absorção dos nutrientes pelas células da parede do intestino. O material não aproveitado é eliminado pelo ânus, localizado próximo à extremidade posterior do corpo.
Reprodução
A reprodução dos cefalocordados é sexuada, com indivíduos geralmente dióicos, isto é, existem machos e fêmeas separados. Não há dimorfismo sexual evidente, o que significa que machos e fêmeas são muito parecidos externamente.
A fertilização costuma ser externa. Os gametas são liberados na água do mar, onde ocorre o encontro entre espermatozoides e óvulos. A partir da fecundação, forma-se um zigoto que se desenvolve em larva planctônica livre-nadadora. Essa larva, após um período no plâncton, sofre metamorfose e se estabelece no fundo marinho, assumindo a forma alongada típica do adulto e passando a viver parcialmente enterrada.
Não há cuidado parental: depois da liberação dos gametas, o desenvolvimento ocorre de forma independente no ambiente aquático. Também não são conhecidos ciclos de reprodução complexos com alternância de gerações, como em outros grupos de animais marinhos.
Habitat e distribuição geográfica
Os cefalocordados vivem em ambientes marinhos, principalmente em águas rasas costeiras. São típicos de fundos arenosos ou lamosos, onde permanecem, em geral, parcialmente enterrados, com a extremidade anterior voltada para a coluna d’água. Essa posição favorece a filtração de partículas alimentares que chegam com o fluxo de água.
Podem ocorrer em zonas tropicais, subtropicais e temperadas, dependendo da espécie. Muitos são encontrados em áreas de baixa profundidade, como enseadas, baías e costas abrigadas, onde a energia das ondas não é excessiva e há disponibilidade de sedimentos finos para o enterramento. Há registros de espécies distribuídas em diferentes oceanos, o que mostra que o grupo possui ampla distribuição geográfica, ainda que, muitas vezes, em populações localizadas e discretas.
Comportamento
O comportamento dos cefalocordados é predominantemente bentônico e relativamente sedentário. A maior parte do tempo eles permanecem com o corpo enterrado no sedimento, deixando apenas a região anterior exposta. Dessa forma, conseguem filtrar a água que passa pela faringe, capturando alimento e respirando.
Apesar do hábito sedentário, esses animais são capazes de nadar através de movimentos ondulatórios laterais do corpo, coordenados pela musculatura segmentada em miómeros. Essa natação é geralmente breve, usada para escapar de perturbações no sedimento, evitar predadores ou buscar um local mais adequado para se enterrar novamente.
Os cefalocordados apresentam órgãos sensoriais simples, capazes de detectar estímulos como luz e vibrações na água. Muitos apresentam tendência a evitar luz intensa, preferindo ambientes com luminosidade moderada ou baixa, o que também se relaciona ao hábito de viver enterrado. O comportamento coletivo não é elaborado, mas é comum encontrar vários indivíduos em áreas favoráveis de sedimento, formando agregados populacionais.
Exemplos de espécies de cefalocordados
Embora o grupo seja relativamente pequeno em número de espécies, algumas tornaram-se bem conhecidas, sobretudo por seu uso em estudos científicos.
- Branchiostoma lanceolatum: é uma das espécies mais conhecidas de anfioxo. Possui corpo estreito, alongado e ligeiramente comprimido, com extrema anterior afilada. É amplamente utilizada em pesquisas de biologia do desenvolvimento e evolução dos cordados, pois suas características anatômicas e genéticas ajudam a compreender a transição entre cordados invertebrados e vertebrados.
- Branchiostoma floridae: espécie estudada em detalhe em biologia molecular e genética, tornando-se um importante organismo modelo para análise comparada de genomas. A organização de seus genes oferece pistas sobre a origem e a evolução de estruturas presentes em vertebrados, como o sistema nervoso central e determinados órgãos endócrinos.
- Branchiostoma belcheri: espécie encontrada em ambientes costeiros de determinadas regiões asiáticas, também utilizada em pesquisas por apresentar características anatômicas e fisiológicas bem documentadas. Assim como outras espécies do gênero Branchiostoma, vive parcialmente enterrada e realiza filtração da água para alimentação.
- Asymmetron lucayanum: espécie que pertence a outro gênero dentro dos cefalocordados, destacando-se por apresentar algumas diferenças sutis no padrão corporal e no desenvolvimento. O estudo de espécies de gêneros distintos, como Branchiostoma e Asymmetron, permite comparar estratégias adaptativas e variações evolutivas dentro do subfilo.
Curiosidades:
- Modelo de estudo da evolução dos vertebrados: os cefalocordados são considerados um importante grupo modelo para o estudo da evolução dos vertebrados. Por possuírem muitas características básicas dos cordados, mas sem estruturas complexas como crânio e coluna vertebral, ajudam a reconstruir, por comparação, os passos evolutivos que levaram ao surgimento de peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos.
- Capacidade de regeneração: algumas espécies de cefalocordados apresentam notável capacidade de regenerar partes do corpo, incluindo porções da notocorda e do tubo nervoso. Essa habilidade regenerativa desperta interesse em pesquisas de biologia celular e regeneração tecidual, contribuindo para o entendimento de como tecidos nervosos e de sustentação podem se recompor em diferentes grupos animais.
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| Branchiostoma lanceolatum: exemplo de cefalocordado. |
Glossário:
- Filtração: processo em que a água passa por estruturas que retêm partículas alimentares.
- Faringe: região do sistema digestório que participa da respiração e da alimentação.
- Muco: substância viscosa produzida pelo organismo para capturar partículas de alimento.
- Esôfago: tubo que conduz o alimento da faringe até o intestino.
- Intestino: parte do sistema digestório onde ocorre a digestão e absorção dos nutrientes.
- Larva: fase jovem de muitos animais, diferente da forma adulta.
- Metamorfose: transformação do corpo que ocorre durante o desenvolvimento de algumas espécies.
- Bentônico: termo usado para organismos que vivem no fundo do mar.
- Sedimento: material encontrado no fundo de ambientes aquáticos, como areia ou lama.
- Plâncton: conjunto de organismos microscópicos que flutuam na água.
- Subfilo: categoria de classificação biológica que agrupa organismos dentro de um mesmo filo.
- Cordados: grupo de animais que possuem notocorda, tubo nervoso dorsal e fendas faringianas em alguma fase da vida.
- Invertebrados: animais que não possuem coluna vertebral.
- Sedimentar: relacionado a materiais como areia e lama acumulados no fundo do mar.
- Fusiforme: formato alongado e estreito que facilita o movimento na água.
- Dorsal: região superior do corpo de um animal.
- Ventral: região inferior do corpo de um animal.
- Cauda pós-anal: extensão do corpo que ultrapassa a região do ânus.
- Cirros bucais: estruturas semelhantes a pequenos filamentos que filtram partículas na entrada da boca.
- Extracelular: processo que ocorre fora das células, como parte da digestão.
- Dióicos: organismos que possuem machos e fêmeas separados.
- Dimorfismo sexual: diferenças físicas entre machos e fêmeas de uma espécie.
- Gametas: células reprodutivas produzidas por machos e fêmeas.
- Fertilização externa: encontro entre gametas que ocorre no ambiente, fora do corpo dos indivíduos.
- Zigoto: primeira célula formada após a fecundação.
- Larva planctônica: fase jovem de um animal que vive temporariamente no plâncton.
- Órgãos sensoriais: estruturas que captam estímulos do ambiente, como luz e vibrações.
- Nadadeira caudal: nadadeira localizada na extremidade posterior do corpo, usada para natação.
Por Tânia Cabral - Professora de Biologia e Ciências do Ensino Fundamental e Médio - graduada na Unesp, 2001.
Publicado em 13/11/2025
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Bibliografia Indicada
Fonte de referência:
HICKMAN, C. P. JR.; ROBERTS, L.S.; LARSON, L. (2004). Princípios integrados de Zoologia. Rio de Janeiro: Guanabara.
Lancelet - Wikipédia (em inglês)

