Miriápodes
O que são os miriápodes?
Os miriápodes (subfilo Myriapoda) são artrópodes terrestres caracterizados por possuírem muitos pares de pernas e corpo segmentado. Eles pertencem ao filo Arthropoda e historicamente são agrupados em quatro classes principais:
- Chilopoda (centopeias, também chamadas popularmente de "lacraias")
- Diplopoda (milípedes, gongolôs, tatuzinhos)
- Pauropoda (paurópodes)
- Symphyla (sínfilos)
Atualmente, são descritas mais de 16.000 espécies de miriápodes, distribuídas por quase todos os continentes, exceto a Antártica, com maior diversidade em regiões tropicais.
Características físicas principais:
1. Segmentação corporal e corpo dividido em dois tagmas
O corpo dos miriápodes está dividido em duas regiões principais: cabeça e tronco. Ao contrário dos insetos, não há distinção clara entre tórax e abdome.
2. Antenas
Possuem um único par de antenas localizado no primeiro segmento da cabeça. Essas antenas têm função sensorial, sendo responsáveis pelo tato, olfato, detecção de umidade e vibrações.
3. Olhos e órgãos sensoriais
Geralmente apresentam olhos simples (ocelos) ou células fotoreceptoras; em algumas espécies de centopeias, vários ocelos se organizam em grupos que se assemelham a olhos compostos primitivos, embora não sejam verdadeiros olhos compostos como os dos insetos. Em espécies cavernícolas ou subterrâneas os olhos podem estar ausentes. Também possuem órgãos de Tömösváry, localizados na base das antenas, cuja função exata ainda é pouco conhecida, mas acredita-se que estejam relacionados à sensibilidade a vibrações e umidade.
4. Apêndices locomotores (pernas)
Os miriápodes têm muitos pares de pernas, que são unirremes (não ramificadas) e articuladas, compostas de coxa, trocânter, fêmur, tíbia, tarso e garra (ou pretarso). A principal diferença entre as classes está no número de pernas por segmento do tronco:
- Em Chilopoda (centopeias), cada segmento do tronco possui um par de pernas.
- Em Diplopoda (milípedes), muitos segmentos do tronco são diplossegmentos — resultado da fusão de dois segmentos embrionários — e cada um desses apresenta dois pares de pernas.
- Em Pauropoda e Symphyla, o número de pernas é menor e também a estrutura corporal tende a ser mais simples, além do tamanho ser geralmente reduzido.
5. Exoesqueleto e permeabilidade
Possuem exoesqueleto quitinoso segmentado; entretanto, sua epicutícula costuma ser mais permeável que a dos insetos, o que os torna menos tolerantes à dessecação e favorece sua ocorrência em ambientes úmidos.
6. Sistema respiratório e trocas gasosas
Respiram por traqueias ligadas a espiráculos laterais nos segmentos do tronco. Em muitos casos, esses espiráculos não se fecham, o que pode levar à perda de água pelo corpo.
7. Sistema circulatório e excretor
O sistema circulatório é aberto, com um coração tubular dorsal que bombeia hemolinfa para a hemocele, que são cavidades corporais abertas. No sistema excretor, utilizam túbulos de Malpighi para filtrar resíduos metabólicos, os quais se conectam ao tubo digestório.
8. Alimentação
A alimentação varia entre as classes:
- Centopeias (Chilopoda) são predadoras e utilizam suas forcípulas (primeiro par de pernas modificadas com glândulas de veneno) para capturar e imobilizar presas como invertebrados menores, larvas e minhocas.
- Milípedes (Diplopoda) são majoritariamente detritívoros ou saprófagos, alimentando-se de matéria vegetal morta, folhas e madeira em decomposição, além de húmus. Alguns consomem fungos ou pequenas quantidades de material vivo em situações específicas.
- Pauropoda e Symphyla geralmente se alimentam de matéria orgânica microscópica, fungos, bactérias ou partículas presentes no solo.
9. Reprodução e crescimento
Os miriápodes são dioicos, com sexos separados. A fecundação, em geral, é indireta: o macho deposita um espermatóforo no ambiente, que a fêmea capta para fertilizar seus óvulos. As fêmeas depositam ovos que dão origem a jovens semelhantes aos adultos, mas com menos segmentos e pares de pernas. Durante o crescimento pós-embrionário, ocorre a adição de segmentos e pernas por meio de mudas (ecdise).
O crescimento pode ocorrer por diferentes modalidades de anamorfose:
- Euanamorfose: novos segmentos são adicionados indefinidamente a cada muda.
- Hemianamorfose: novos segmentos são adicionados até certo ponto, após o qual as mudas continuam, mas sem acréscimo de segmentos.
- Teloanamorfose: segmentos são adicionados até a maturidade sexual, quando cessa o acréscimo.
Em algumas espécies, como certos milípedes, ocorre partenogênese (desenvolvimento a partir de óvulos não fertilizados). Algumas centopeias, por exemplo, da ordem Scolopendromorpha, apresentam desenvolvimento epimórfico, no qual todos os segmentos já estão formados ao nascer, sem adição posterior.
Habitat e distribuição geográfica
Os miriápodes são organismos terrestres adaptados a ambientes úmidos e sombreados, com abundância de matéria orgânica, como folhas mortas, troncos em decomposição, solo coberto, sob pedras e cascas. Vivem em florestas tropicais e temperadas, savanas, matas ciliares, zonas com húmus e, em alguns casos, solos semiáridos, desde que ofereçam refúgios úmidos.
Estão distribuídos por quase todos os continentes, exceto a Antártica, apresentando maior diversidade em regiões tropicais. Muitas espécies têm distribuição restrita (endemismos), devido à baixa mobilidade e dependência de condições ambientais estáveis.
Comportamento
Os miriápodes são geralmente lucífugos (evitam a luz) e higrófilos (preferem ambientes úmidos), sendo mais ativos à noite ou em locais escuros.
Locomoção
- Centopeias movimentam-se rapidamente com pernas longas e ágeis, adequadas para perseguição.
- Milípedes locomovem-se lentamente, com força e persistência, empurrando o corpo entre detritos e fendas.
Defesa
- Milípedes enrolam o corpo em espiral para proteger suas partes moles e produzem secreções químicas tóxicas ou irritantes (como quinonas) em glândulas repugnatoriais para afastar predadores.
- Centopeias utilizam veneno nas forcípulas tanto para predação quanto para defesa.
Interações ecológicas
Milípedes contribuem para a decomposição e reciclagem da matéria orgânica no solo, fragmentando folhas e incorporando carbono ao ambiente. Centopeias atuam como predadores, controlando populações de invertebrados menores. Devido à pouca mobilidade, muitos miriápodes dependem de microhabitats específicos e são sensíveis a perturbações ambientais.
Em algumas espécies, o último par de pernas pode possuir funções especiais, como sensoriais ou defensivas.
Principais espécies (exemplos):
- Scolopendra gigantea (Chilopoda): uma das maiores centopeias, podendo ultrapassar 30 cm. É predadora forte, caçando insetos, aranhas e pequenos vertebrados; sua picada, dolorosa, raramente é fatal para humanos.
- Scutigera coleoptrata (Chilopoda): conhecida como centopéia doméstica ou "lacraia de pernas longas", adapta-se bem a ambientes humanos; possui pernas longas e rápidas. Há estudos sobre seus olhos, avaliando-os como olhos compostos primitivos.
- Eumillipes persephone (Diplopoda): espécie recente com número recorde de patas, ultrapassando mil.
- Julus (Diplopoda): gênero clássico presente em várias regiões, detritívoro comum em solos úmidos.
- Oniscomorpha (grupo de tatuzinhos): milípedes enroladores típicos, que se enrolam para proteção.
- Scutigerella spp. (Symphyla): pequenos miriápodes que vivem em solos úmidos e ambientes escuros.
- Pauropoda (diversos gêneros): pequenos e pouco conhecidos, com papel microecológico no solo.
Curiosidades:
- A espécie Eumillipes persephone estabeleceu recorde mundial entre os miriápodes pelo número de patas, acima de mil.
- Muitos milípedes produzem secreções químicas defensivas com compostos tóxicos ou irritantes, como quinonas, que podem causar irritação temporária ou manchas na pele ao serem manuseados.
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Tachypodoiulus niger: exemplo de miriápode milípede. |
Artigo escrito por Tânia Cabral - Professora de Biologia e Ciências - graduada na Unesp, 2001.
Publicado em 05/10/2025